11 April 2010

No meio do caminho tinha um viajante

Às vezes faz falta uma companhia, mas viajar sozinha tem seu encanto. Além de momentos de reflexão e autoconhecimento, a solidão nos obriga a falar com estranhos, coisa que provavelmente não faríamos quando acompanhados. Passei as últimas 48 horas das minhas férias de Páscoa (sim, temos dez dias aqui na Europa) em Marselha, França, e de lá percorri um longo trajeto de volta à Espanha. Foram dois dias de eu, eu mesma e meu desconhecimento quase total da língua francesa. Mas isso não impossibilitou a comunicação e o encontro com figuras bastante interessantes.

Do alto dos 147 metros da colina onde está a Basílica de Notre Dame de la Garde, se vê o belo Vieux Port (Porto Velho) de Marselha e a ilha do famoso Château d’IF, cenário do Conde de Monte Cristo. Porém, a chuva e os 40 minutos de espera por um ônibus que, de acordo com a tabela de horários afixada no ponto, deveria passar a cada 20 minutos me deixaram meio desesperada por compartilhar com alguém a angústia daquela situação. Dois garotos, por volta dos 17 anos, falavam alemão e me senti impelida a arriscar umas palavras. Deu certo. Conversamos durante toda a descida até o porto. Os dois, que comiam uma baguete pura, partindo-a com as mãos, moravam em Lyon, exercendo seu trabalho civil obrigatório - na Alemanha, ao terminar o colégio, os jovens do sexo masculino devem escolher entre um ano de serviço militar ou civil. A função de um dos meninos era ordenhar vacas e a do outro, descascar batatas. Pareceram-me experiências produtivas.

Cheguei ao albergue da juventude, próximo à praia, por volta das 19h e com as meias encharcadas. Abri a porta do quarto e me deparei com uma cena bastante surreal, parecia coisa de filme: uma mesinha de madeira entre as camas de frente para a porta, sobre a qual duas senhoras comiam pão preto com queijo. Françoise e Germaine, professoras de primário aposentadas, curtiam sua juventude tardia hospedadas havia uma semana no albergue e viajando com a popular companhia low cost Ryanair. Só faltou o mochilão, substituído por malas de rodinhas. De óculos e cabelos curtinhos e grisalhos, as duas ficaram fascinadas com o fato de eu ser brasileira, estudante de jornalismo, viajando pela Europa. Esforçavam-se um monte falando aquele inglês com o inconfundível sotaque francês. Vindas da Bretanha, as duas me deram dicas sobre Marselha e mostraram os sabonetes tradicionais da cidade que haviam comprado. Às 22h30, quando Françoise já roncava, Germaine me pediu se podia apagar a luz. Foi uma noite tranquila.

O último dia da viagem foi um tanto estressante e parecia que não iria terminar nunca. Ainda sob chuva, peguei um ônibus até o centro de Marselha, com direito à pit stop para ver o mercado de peixes (muitos ainda vivos!) no Vieux Port. De lá peguei o metrô até a estação de trem. Esperei um tanto e embarquei no ônibus especial que leva até o aeroporto, cujo preço não é tão especial assim – 8,50 euros! Depois de quase três horas de espera e um voo cheio de franceses grossos – ninguém foi capaz de ajudar uma velhinha a colocar a mala no bagageiro – e aeromoças oferecendo comida e raspadinha (a companhia vende passagem a 5 euros e precisa lucrar de alguma maneira), cheguei a Biarritz, já quase na Espanha. Pegar um ônibus até Saint Jean de Luz e de lá outro até Hendaye me pareceu muito complicado e me decidi pelo ônibus de linha até a Gare (estação). Só havia me esquecido que todos os trens franceses estavam em greve naquele dia! A única alternativa foi esperar uma hora por um ônibus disponibilizado pela SNFC – companhia nacional de trens – que me levaria até Hendaye.

O trajeto foi lindo - de um lado, a montanha cheia de ovelhinhas e , do outro, o mar sob o sol de fim de tarde-, mas a ansiedade era grande. Cheguei a Hendaye às 19h. Ainda tinha que pegar o Euskotren – uma espécie de metrô – até San Sebastián, de onde o último ônibus para Pamplona sairia às 20h15. Os 40 minutos de viagem passaram rápido graças à conversa com um homem de meia idade com uma história de vida incrível. O jovial francês voltava de uma visita aos pais ali, logo na fronteira. Falava um inglês perfeito, cujo sotaque me pareceu bem americano, mas ele me garantiu que tinha um quê da África do Sul, onde morou por sete anos. Também viveu na Índia e em Seattle. Recomendou-me conhecer Nova York, uma cidade única, com uma atmosfera vibrante. Também contou que queria ir ao Brasil e se interessava pela cultura dos orixás. Desde o ano passado, ele tem o privilégio de trabalhar como professor de inglês no belo balneário de San Sebastián, onde cheguei já bem mais tranquila e consegui comprar a passagem para Pamplona com meia hora de antecedência. Uma hora de ônibus e 20 minutos de caminhada depois, finalmente estava em casa.

2 comments:

Nathalie said...
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Nathalie said...

Nossa Lu!
Não sabia desse seu blog!
Não é a toa que as oportunidade chovem para vc...me deliciei lendo seu texto sobre a volta do feriado!
Estou morrendo de saudades!!
Beijos!