28 December 2008

Susi & Eu

Hoje fui ao cinema assistir Marley & Eu. Não me lembro de ter me identificado tanto com um filme. O choro coletivo demonstrou que a história do cão fiel tocou a platéia, talvez muitos tenham vivido experiência semelhante. Mas duvido que alguém tão recentemente como eu e minha família.
Nesta véspera de Natal, nossa cadela de 17 anos teve uma noite nada alegre. Já surda, enxergando apenas vultos, cada vez mais magra, quase sem nenhum dos dentes, ela amanheceu em um buraco, apenas com a cabeça para fora, toda molhada e com os olhos cheios de terra após a madrugada chuvosa. Era um milagre estar viva.
Neste dia de Natal, Susi, nossa querida viralata que se aproximava a um basset de pêlo longo, ganhou um banho, limpeza dos olhos, papinha que ela ainda teve forças para comer. Mas vê-la agora totalmente cega, batendo o focinho na parede, andando em círculos e caminhando com ainda mais dificuldade, cortou-me o coração.
Na manhã do dia 26, seu latido de súplica tirou-me da cama. Lá fui eu resgatá-la, presa em galhos espinhosos sem saber onde estava e como sair de lá. Os olhos inflamados e o corpo tremendo de frio. Sabíamos que o momento tinha chegado.
A clínica estava aberta e a veterinária confirmou o que já esperávamos. Após a anestesia geral, nos despedimos da pequena que nos deu tanta alegria.
Não me recordo de quase nada antes da Susi. Eu tinha apenas três anos quando ela chegou. Aliás, ainda me lembro de quando a vi pela primeira vez, aquela coisinha peluda e marrom, trazida em uma caixa de papelão. É estranho pensar em chegar em casa e não encontrá-la, mas foi um alívio livrá-la do sofrimento.
Apesar de bem menor e mais comportada que Marley, Susi foi como ele e os tantos outros cães que se tornam parte da família. O difícil é lidar com o fato de que suas vidas são muito mais curtas que as nossas.

Marley & Eu, de David Frinkel, 2008. Com Owen Wilson e Jennifer Aniston.
História de uma família e seu cão Marley, um labrador um tanto neurótico que ensina a seus donos boas maneiras e o que realmente importa na vida. Adaptação para o cinema do best-seller "Marley & Me", escrito pelo jornalista e colunista do Philadelphia Inquirer John Grogan, que descreve sua experiência com o cão hiperativo que passou a fazer parte da família.

23 October 2008

Cronicando

“O que eu tenho, doutor? Você está com uma doença crônica, sinto muito”. Não. O assunto não é esse tipo de “cronicidade”. A crônica em questão é aquele texto leve e curto, sobre um fato cotidiano e que se lê no jornal. Ou então em um livro que traz uma coletânea desses textos. É o caso de Ungáua!, o recém lançado volume que reúne 101 crônicas de Ruy Castro, publicadas na Folha de São Paulo entre fevereiro de 2007 e março de 2008. E não é só o nome dado a obra que intriga em Ruy. Sua visão jornalística e sobre o gênero crônica também é bastante particular.

Comecemos pelo nome curioso “Ungáua”. É o que o Tarzan, interpretado por Johnny Weissmuller no cinema, dizia ao macaco, ao elefante e aos outros bichos quando queria lhes dar alguma ordem. “Falava apenas ‘Ungáua!’ e o bicho entendia imediatamente o que tinha de fazer”, explica Ruy. Talvez essa seja uma analogia com a espontaneidade e a fácil compreensão da crônica. Mas escrevê-la é bem mais complexo do que parece.

A crônica exige um grande exercício de observação e síntese. “Me obriga a ficar atento ao que está se passando, o que é bom, porque tendo a ser meio desligado à vida real”, diz Ruy. O cronista leva cerca de duas horas para escrever aqueles 1777 caracteres para a Folha, incluindo todas as mudanças feitas no texto mesmo depois de “pronto”. Ruy conta ainda que quando começa uma crônica só tem uma idéia vaga do assunto, ele vai tomando forma à medida que escreve.

Mas não só redigir essa criaturinha é difícil. Defini-la também o é: afinal, o que é uma crônica? A professora de português e cronista Regina Carvalho diz que a característica principal do gênero é justamente não ter característica nenhuma: tudo pode ser crônica. “A única definição possível é a de que ela é um texto literário para jornal”, afirma. E assim, como texto literário tem toda a liberdade de linguagem, estilo, temática. As limitações lhe vêm impostas pela publicação. Ruy, por sua vez, define a crônica como um comentário bem escrito, que leva em conta os mandamentos imutáveis do jornal: o quê, como, quem, quando, onde.

O cronista brinca que sua inspiração para escrever vem do horário de fechamento do jornal e que o cenário carioca é quase sempre um bom ponto de partida, mas não é o único. Ele explica que em Ungáua! há poucas crônicas que se passam no Rio, mas a maneira de ver o mundo, esta sim, é sempre carioca. “Todos aqueles cronistas capixabas (Rubem Braga, Carlinhos Oliveira), mineiros (Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos), pernambucanos (Nelson Rodrigues) e até paulistas (Elsie Lessa) só se tornaram cronistas no Rio. Só uma metrópole em que se possa andar a pé fornece material para crônica”, acrescenta Ruy.

Aqui entra em questão também a brasilidade da crônica. Para o cronista carioca, não há dúvidas de que esse é um gênero tipicamente brasileiro. A professora Regina discorda. Ela ressalta que há crônicas em outros países, com características diferenciadas. Cita como exemplo o Uruguai e seu popular escritor Eduardo Galeano. Ficou famoso não só por sua obra As veias abertas da América Latina, mas também por seus livros de crônicas, como Bocas do Tempo, publicado em português. “Brasileiro precisa parar com essa megalomania disfarçada de complexo de inferioridade, achando que tudo é melhor no Brasil, ou só existe aqui, poxa!”, opina Regina. Segundo ela, o que houve no Brasil é que a crônica atingiu uma popularidade muito grande.

E por falar em popularidade, Ruy Castro considera que um romancista tende a ser bem mais valorizado que um cronista por o romance ser coisa muito mais séria, que dá muito mais trabalho. Ele mesmo foi consagrado por seus livros de reconstituição histórica e biografias. Regina, entretanto, cita o romancista Cristovão Tezza com sua fala de que todos amam um cronista e ninguém conhece um romancista. “E olhem que o Tezza tem renome nacional! Mas o que se pode esperar num universo em que se lê pouco?”, diz a professora. Ela afirma não saber se as pessoas lêem o jornal, mas ter certeza de que as crônicas elas lêem.

Regina acredita que a crônica deve falar do cotidiano com leveza e humor. Mas deve também bronquear quando preciso, porque há coisas que revoltam até o cronista mais bem-humorado do mundo. A professora diz que o crítico Antônio Candido afirma ser o grande mérito da crônica fazer a literatura descer dos altos píncaros em que costuma se encastelar para a altura do leitor comum. E Regina destaca a importância desse trazer um pouco de beleza e reflexão para a vida das pessoas, de uma forma que elas possam assimilar e ter prazer com isso. Sem rodeios, Ruy Castro diz que uma boa crônica deve ser simplesmente interessante de ler.

Texto publicado na Semana Revista,
da VII Semana de Jornalismo da UFSC,
e no Observatório da Imprensa,
em 2 de setembro de 2008

30 September 2008

O que é a estética hoje?

Esse foi o tema da palestra da filósofa Márcia Tiburi, no último dia 25/09. O evento fez parte da Semana ousada de artes, promovida pela UFSC e pela Udesc. O assunto me atraiu por já ter estudado estética em algumas disciplinas universitárias, mas confesso que estava com medo de ouvir uma filósofa falar. Para meu alívio, Tiburi usou exemplos e linguagem cotidianos e, apesar de não falar nada de tão extraordinário, nos fez refletir sobre coisas banais do dia-a-dia. Vivemos em espaços organizados e cultuamos a decoração de interiores.
Logo no início, Tiburi já alertou para a simplicidade de seu discurso ao dizer que ficaria em um local chamado de pré-filosofia, onde na lama de sua ignorância iria questionar "para que serve a estética hoje?". A filósofa põe em dúvida a utilidade da estética e afirma que existe um abismo entre o espectador e a arte. "Nos encontramos com uma obra de arte e não sabemos o que fazer com ela", afirma.
Os críticos poderiam ser os meio-campistas entre artista e espectadores. Porém, o que acontece, é que essas figuras são muitas vezes simplesmente jornalistas que se interessam pelo assunto. "Se disserem onde a obra está errada, apontarem um defeito, estarão dizendo algo importante para sua carreira", critica Tiburi. Se os críticos acabam sitiando o território entre artista e espectador, ela questiona a função dos críticos e aponta como alternativa que eles desistam. Uma saída menos radical seria promover a interdisciplinaridade entre críticos e estudiosos da estética.
Para responder à pergunta inicial, Márcia lança a hipótese da estética como aquilo que deve ligar a arte e a vida.

27 September 2008

Sobre a natureza humana

"O romance não pode, portanto, ser censurado por seu fascínio pelos encontros misteriosos dos acasos[...], mas podemos, com razão, censurar o homem por ser cego a esses acasos na vida quotidiana, privando assim a vida da sua dimensão de beleza."

"Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se juntem desde o primeiro instante."

"[...] é mais ou menos assim o instante em que nasce o amor: a mulher não resiste à voz que chama sua alma amedrontada; o homem não resiste à mulher cuja alma se torna atenta à sua voz."

"Não estava certo de ter agido bem, mas estava certo de ter agido como queria."

"[...] a vida humana só acontece uma vez e não podemos jamais verificar qual seria a boa ou a má decisão, porque, em todas as situações, só podemos decidir uma vez. Não nos é dado uma segunda, uma terceira ou uma quarta vidas para que possamos comparar decisões diferentes."

"Todos nós temos a necessidade de ser olhados. Podemos ser classificados em quatro categorias, segundo o tipo de olhar sob o qual queremos viver. A primeira procura o olhar de um número infinito de pessoas anônimas, em outras palavras, o olhar do público. [...] Na segunda categoria estão aqueles que não podem viver sem ser o foco de numerosos olhos familiares. São os incansáveis organizadores de coquetéis e jantares, mais felizes do que os da primeira categoria, que quando perdem seu público imaginam que a luz se apagou na sala de suas vidas. [...] As pessoas da segunda categoria sempre conseguem arrumar quem as olhe. [...] Vem em seguida a terceira categoria, aqueles que têm a necessidade de viver sob o olhar do ser amado. [...] Basta que os olhos do ser amado se fechem para que a sala fique mergulhada na escuridão. [...] Por fim, existe a quarta categoria, a mais rara, a daqueles que vivem sob o olhar imaginário dos ausentes. São os sonhadores."

"[...] as perguntas que atormentam os casais humanos: será que ele me ama? será que gosta mais de mim do que eu dele? terá gostado de alguém mais do que de mim? Todas essas perguntas que interrogam o amor, o avaliam, o investigam, o examinam, será que não ameaçam destruí-lo no próprio embrião? Se somos incapazes de amar, talvez seja porque desejamos ser amados, quer dizer, queremos alguma coisa do outro (o amor), em vez de chegar a ele sem reivindicações, desejando apenas sua simples presença."

Os trechos foram retirados do livro A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera

05 February 2008

Crítica em Ratatouille


Ratatouille é um filme encantador. O ratinho Remy ajuda um jovem desajeitado, Lingüini, a cozinhar no restaurante do fictício chef mais famoso de Paris, Gusteau, recém-falecido. Remy se consagra com seu RATatouille - prato francês de origem camponesa que leva berinjela, tomate, abobrinha, cebola, pimentão (clique aqui para a receita completa). O pequeno chef prova que a afirmação de Gusteau "qualquer um pode cozinhar" é verdadeira. Basta fazê-lo com paixão, saboreando cada aroma, cada sabor. Remy é o primeiro a dobrar o entojado crítico gastronômico Anton Ego, cujo ego realmente aterroriza qualquer chef. Ego nos dá uma lição sobre a crítica, que pode se aplicar à de gastronomia e à cultural:
"De muitas maneiras o trabalho do crítico é fácil. Arriscamos pouco e desfrutamos de uma posição sobre aqueles que oferecem seu trabalho e a si mesmos ao nosso julgamento. Nós prosperamos na crítica negativa, que é divertida de se escrever e ler. Mas a dura realidade que nós críticos temos de encarar é a de que, no todo, uma porcaria medíocre é provavelmente mais significativa do que nossa crítica que assim a designou. Mas há vezes em que um crítico realmente arrisca algo e isto acontece na descoberta e na defesa do novo. O mundo é indelicado com novos talentos, novas criações. O novo precisa de amigos. [...] Nem todo mundo pode se tornar um grande artista, mas um grande artista pode vir de qualquer lugar"
.

PS: Não deixe de assistir, nos extras do DVD, a uma divertida animação que traz a história dos ratos e sua convivência com a humanidade - desde os homens das cavernas, passando pela peste negra, até os experimentos científicos realizados com esses bichinhos e que nos trazem tantos progressos. Não perca também a conversa sobre gastronomia e filmes com o chef Thomas Keller e o diretor Brad Bird. O notável trabalho da edição das entrevistas conecta os dois assuntos de maneira surpreendente.

19 January 2008

Férias e Noites Brancas

Por que brancas? Será devido à neve da Rússia? Ele era russo, não era? Ele quem? Dostoiévski! Dostoiévski? Você leu Dostoievski? Aham!

Pois é, é verdade. E foi uma surpresa. Noites brancas é um livro que se lê em poucas horas (são apenas 82 páginas, inclusas as ilustrações) e que é quase todo um diálogo em linguagem simples. O nome do autor já assusta e a dita complexidade de seus temas também. Portanto, começar por esta obra leve, agradável e romântica do início de sua carreira foi uma escolha sensata.

As noites brancas são aquelas do verão de São Petersburgo, nas quais o sol não se põe totalmente, deixando uma claridade fantasmagórica. Em uma dessas noites, um homem que se define como um sonhador, conhece uma moça. Ela, jovem e humilde, chorava. Mesmo com um aperto no coração, nosso protagonista censura a si mesmo e não consegue lhe dirigir uma palavra de conforto. Mas, por uma ajuda do destino, ao seguir caminhando do outro lado da rua, um homem de aparência duvidosa se aproxima da jovem. E o sonhador protege a dama das ameaças da noite são petersburguense.

Essa foi a primeira das quatro noites brancas em que os dois se encontraram. Nasce entre eles uma amizade profunda, como se se conhecessem de longa data. Ele, eternamente grato por a moça não tê-lo rejeitado de cara, como outras o fariam. Ela, feliz por ter alguém que a aconselhasse e escutasse seus lamentos amorosos. Ele tinha a robustez das palavras, ela, a simplicidade. E talvez seja essa sua simplicidade o que lhe permite expressar com tamanha exatidão coisas que todos nós alguma vez já sentimos: “...por que nós todos não somos como irmãos? Por que parece sempre que até o melhor dos homens esconde algo do outro e se cala diante dele? Por que não dizer logo, diretamente, o que está no coração, se sabemos que não serão palavras ao vento? Mas todos aparentam ser mais duros do que realmente são, é como se todos temessem ofender seus sentimentos ao expressa-los muito depressa...”.

Esse romance, aparentemente simples, me fez refletir sobre o amor e suas contradições. Como ele pode causar a maior alegria que se pode sentir em um momento e, em outro, a maior das tristezas. E como este sentimento, que nos parece tão puro e altruísta, é tantas vezes egoísta.

Estarei já preparada para Crime e castigo e Os irmãos Karamazov?

Noites Brancas foi publicado em 1848, na contracorrente de sua época, que privilegiava o Realismo. Fiodor Dostoiévski nasceu em Moscou a 1821. Reconhecido pela crítica e por leitores de todo o mundo como um dos maiores autores russo de todos os tempo, falece em 1881.