10 November 2009

Num doce balanço a caminho do Gran Canale


Ativou o alarme da loja, trancou a porta de vidro e despediu-se da colega. A alguns metros dali, passados um canal e uma ponte, ficava o caixa eletrônico. Olhou ao redor antes de tirar da bolsa a caixa plástica com o dinheiro faturado no dia e depositá-la na máquina. Viu apenas um casal de mãos dadas que caminhava em direção à praça San Marco. A jovem foi para o lado contrário, dobrando as esquinas da rua estreita e repleta de vidros de Murano reluzentes por trás das vitrines. Deu de frente para a Ponte de Rialto, mas decidiu voltar para casa pelo caminho mais curto. Naquela noite de maio, às 22h, havia escurecido há pouco e a temperatura era agradável. Alguns turistas ainda caminhavam pela cidade, mas, em certas ruelas, escutava apenas os próprios passos e o balançar da água.

Passou pelo pequeno Campo San Luca e pelos Campos San Angelo e Santo Stefano. Estava morrendo de vontade de um sorvete de tiramissú, mas já estavam fechando a gelateria. Logo depois da curva onde ficava uma floricultura, via-se o pé da Ponte da Accademia, grande estrutura de metal e madeira que cruza o Canal Grande. Foi quando ouviu uma música e, poucos segundos depois, sorriu por dentro. Eram as inconfundíveis notas dissonantes da Bossa Nova. Naquela noite quente, de vestido de alcinha florido, cercada por palácios bizantinos e gondoleiros, a melodia de Garota de Ipanema parecia deixar tudo ainda mais perfeito.

“Moço esta música é do meu país. Eu sou brasileira.”
“Não me diga. Que coisa maravilhosa”, respondeu o violonista.
“Sim, eu adoro Garota de Ipanema.”
“Então eu vou tocar só para você cantar.”
“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...”

Antes do intercâmbio, a expectativa era tão grande que a garota nem pensava em sentir saudades de seu país. Nas férias, lia quase todos os dias sobre Veneza, correspondia-se com um estudante brasileiro que já vivia na cidade há seis meses e pesquisava lugares para morar. Sobre a escrivaninha, empilhavam-se uma gramática e um dicionário de italiano e o livro La rabbia e l’orgoglio, da jornalista Oriana Fallaci. Havia estudado o idioma por apenas dois semestres e, por isso, esforçava-se para aprender mais um pouco por conta própria. Naquele fevereiro, se pensasse em alguma música que a emocionaria na romântica Veneza, seria Oh sole mio cantada por um gondoleiro, e jamais o doce balanço de Tom Jobim.

“...o mundo inteirinho se enche de graça e fica mais lindo por causa do amor, por causa do amor...”
“Bravissima! Arrivederci, bella! Una buona vita per te!”

O italiano - cabelos grisalhos amarrados em rabo de cavalo e colarinho da camisa aberto com os pelos do peito à mostra - beijou-lhe a mão. Com os olhos úmidos, a moça subiu os degraus. Era como se a ponte separasse seus dois amores: de um lado do canal, o Brasil e, do outro, a Itália.

1 comment:

Anonymous said...
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